FESTIVAL DE CURITIBA | Com texto e interpretação de Gregório Duvivier, “O Céu da Língua” chega ao Guairão 02/04/2025 - 17:08

Quem tem medo de poesia? Gregório Duvivier não faz parte deste grupo e, como um apaixonado, faz de tudo para persuadir os outros das qualidades do seu objeto de encanto – até mesmo criar uma peça. No monólogo “O Céu da Língua”, uma comédia poética, o artista usa o seu discurso sedutor para convencer o público de que tropeçamos diariamente na poesia e o assunto é prazeroso e divertido.
A direção é da atriz Luciana Paes, parceira de Gregório no espetáculo de improvisação “Portátil”, e também nos vídeos do canal Porta dos Fundos.
Após estrear em Portugal e passar pelo Rio de Janeiro, em ambas ocasiões com grande sucesso, “O Céu da Língua” chega agora ao Festival de Curitiba, dentro da programação da Mostra Lucia Camargo, com sessões dias 03 às 20h30, e, 04 de abril, às 17h30 (Sessão extra) e 20h30, no Guairão.
“Uma ode à língua portuguesa e ao poder da palavra”, disse a crítica Suzana Verde, no jornal português O Observador. “É comédia da boa, apesar de por vezes ser difícil rir, estando tão assoberbados com tudo o que acontece no palco.”
Gregório Duvivier, que não estreava uma nova obra teatral há cinco anos, fez esse espetáculo pra homenagear sua língua-mãe. E encontrou, ao fazer, uma legião de pessoas que compartilham dessa paixão. “Gregório Duvivier é um artista completo, no sentido mais renascentista do termo”, disse Miguel Esteves Cardoso, o maior cronista de Portugal, no jornal O Público.
“A poesia é uma fonte de humor involuntário, motivo de chacota”, reconhece o ator, que cursou a faculdade de Letras na PUC do Rio de Janeiro e publicou três livros sobre o gênero literário. “Escrevi uma peça que pode ajudar alguém a enxergar melhor o que os poetas querem dizer e, pra isso, a gente precisa trocar os óculos de leitura.”
Se no seu solo anterior, “Sísifo” (2019), escrito junto com Vinicius Calderoni, Gregório subia uma grande rampa dezenas de vezes, agora o que se tem é uma encenação desprovida de qualquer cenário. No palco, totalmente limpo, o instrumentista Pedro Aune cria ambientação musical com o seu contrabaixo, e a designer Theodora Duvivier, irmã do protagonista, manipula as projeções exibidas ao fundo. O resto é só o comediante e sua devoção pelas palavras.
“Acredito que o Gregório tem ideias para jogar no mundo e, com essa crença, a coisa me move independentemente de qualquer rótulo”, diz Luciana Paes, uma das fundadoras da celebrada Cia. Hiato. “O stand-up comedy aqui é uma pegadinha pra falar de literatura.”
“O Gregório comediante está no palco ao lado do Gregório intelectual, com seu fluxo de pensamento ininterrupto, e por isso a plateia embarca na proposta”, explica a diretora. “Graças aos seus recursos de ator, Gregório pega o público distraído. Ninguém resiste quando é surpreendido por alguém apaixonado.”
As reformas ortográficas que tiram letras de circulação e derrubam acentos capazes de alterar o sentido das palavras inspiram o artista em tiradas bem-humoradas. A mesma coisa acontece quando ele comenta a ressurreição de palavras esquecidas, como “irado”, “sinistro” e “brutal”, que voltaram ressignificadas ao vocabulário dos jovens. E aquelas que só de ouvir geram sensações estranhas, a exemplo de “afta”, “íngua”, “seborreia”. Ou outras, inventadas, repetidas à exaustão, como “atravessamento”, “disruptivo” ou “briefings”? Até dessas, Gregório extrai humor.
Para provar que a poesia é popular, Gregório chama atenção para os grandes letristas da música brasileira, como Orestes Barbosa e Caetano Veloso, citados em “O Céu da Língua” por meio das canções “Chão de Estrelas” (1937) e “Livros” (1997). Infelizmente a literatura no Brasil nunca encheu estádios. Mas a palavra cantada, essa sim, ganhou multidões. “Foi a nossa música popular que conseguiu realizar o sonho de levar poesia para as massas”, festeja o ator.
Nesta cumplicidade com a plateia, Gregório mostra gradativamente que a poesia não tem nada de hermética e que a nossa língua não deve nada a nenhuma outra, muito pelo contrário. Gregório nos lembra que, apesar de todas as nossas diferenças, temos uma língua em comum que nos irmana. E também pode nos fazer gargalhar.